quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Mariana 

Hoje estou cheias de crateras áridas.
 Do meu corpo extraíram tantos substratos. Dentro de mim depositaram tanto lixo.
Fui consumida e sem pudor. Fui tocada como um objeto. Fui e ainda sou considerada apenas uma propriedade.
Nesta relação desigual me rendi, me humilhei e me senti impotente diante do Homem execrável.
Suas armas devastadoras fizeram tremer minhas entranhas e em mim surgiu uma ferida física e psicológica.
Minha integridade foi violada.
Gradativamente algo insólito me fez sentir o peso da agressividade que eu sofri em meu próprio corpo, precisamente nos meandros do meu ferimento.
Um ferimento cicatrizado com cimento entre outras substâncias enrijecedoras. Tão secas, tão duras e tão susceptíveis à trincas.
E de uma única trinca, um dia senti escorrer um fio líquido espesso e escuro.
Um grito mudo de Gaia e subitamente aquele fio líquido adquire uma configuração de onda. Uma onda de lama que desliza sobre minha pele úmida e viçosa.
Era tanta lama, que muitas vidas em mim foram sufocadas e muitas saíram de mim. Foram ocupar outros espaços que não os meus.
Meus espaços agora estão ocupados por uma lama pútrida. 
Meus líquidos e meu corpo foram moldados pela lama. 
Perdi a liberdade de crescer com leveza. Estou intoxicada e muito de mim está morto. 
Levará muito tempo para eu me desintoxicar e retomar minha vida.
Uma vida simples. O cumprimento do sol. Os pingentes do orvalho nas teias de aranha. Adorava o aroma da geleia com pimenta. O aroma do feijão da casa de Maria. O vai e vem daquelas pessoas que me amavam e me adubavam para eu crescer entre cores e perfumes. A sinfonia das vozes de todas as idades.  O amor que eu sentia era pelo olhar, pelo toque das mãos, pelos presentes que eu recebia como um limoeiro, horta, galinhas. Pelo  valor que me davam, quando percebia o brilho nos olhos daqueles que comigo compartilhavam suas conquistas. A manta da noite e sua orquestra de sapos. O perfume da terra exalado ao toque da água das chuvas.
Amputaram esta minha vida construída com gente.
Meu nome é Mariana, fui estuprada por Samarco e sofro até hoje violência institucional.

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