Mariana
Hoje estou cheias de crateras áridas.
Do meu corpo extraíram tantos substratos. Dentro de mim depositaram tanto lixo.
Do meu corpo extraíram tantos substratos. Dentro de mim depositaram tanto lixo.
Fui consumida e sem pudor. Fui tocada como um objeto. Fui e ainda sou considerada apenas uma propriedade.
Nesta relação desigual me rendi, me humilhei e me senti impotente diante do Homem execrável.
Suas armas devastadoras fizeram tremer minhas entranhas e em mim surgiu uma ferida física e psicológica.
Minha integridade foi violada.
Gradativamente algo insólito me fez sentir o peso da agressividade que eu sofri em meu próprio corpo, precisamente nos meandros do meu ferimento.
Um ferimento cicatrizado com cimento entre outras substâncias enrijecedoras. Tão secas, tão duras e tão susceptíveis à trincas.
E de uma única trinca, um dia senti escorrer um fio líquido espesso e escuro.
Um grito mudo de Gaia e subitamente aquele fio líquido adquire uma configuração de onda. Uma onda de lama que desliza sobre minha pele úmida e viçosa.
Era tanta lama, que muitas vidas em mim foram sufocadas e muitas saíram de mim. Foram ocupar outros espaços que não os meus.
Meus espaços agora estão ocupados por uma lama pútrida.
Meus líquidos e meu corpo foram moldados pela lama.
Perdi a liberdade de crescer com leveza. Estou intoxicada e muito de mim está morto.
Levará muito tempo para eu me desintoxicar e retomar minha vida.
Uma vida simples. O cumprimento do sol. Os pingentes do orvalho nas teias de aranha. Adorava o aroma da geleia com pimenta. O aroma do feijão da casa de Maria. O vai e vem daquelas pessoas que me amavam e me adubavam para eu crescer entre cores e perfumes. A sinfonia das vozes de todas as idades. O amor que eu sentia era pelo olhar, pelo toque das mãos, pelos presentes que eu recebia como um limoeiro, horta, galinhas. Pelo valor que me davam, quando percebia o brilho nos olhos daqueles que comigo compartilhavam suas conquistas. A manta da noite e sua orquestra de sapos. O perfume da terra exalado ao toque da água das chuvas.
Amputaram esta minha vida construída com gente.
Meu nome é Mariana, fui estuprada por Samarco e sofro até hoje violência institucional.
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